terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Restos

Afora tanto amor esclarecido
De encantos e beijos roubados
Trago ainda um resto calado
De amor que ficou escondido

Escondido mas não descartado
Torturado sem ser abatido
Chora um desejo desprezado
Preza um capricho descabido

Despercebeu a falta de espaço
Forçou a porta querendo sair
Viu-se derrotado pelo cansaço

Agora, enfim, sua alcova cedeu
Mas não há mais para onde fugir
Vai ter que morrer onde nasceu

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

O que é meu

Quantas horas você me tomou
Deus do céu!
Tanta vida minha que levou
Valendo-se morosamente da minha dor
Sem jamais fazer escarcéu

Devolva-me o tempo no violão
E fique com os calos que você me deu
Desapareça de vez da minha canção
Numa partida em meio tom
Adeus!

Deixe papel e também caneta
Além dos goles que me fez tomar
Fique com esse lugar na sarjeta
Mas o poema sem pé e nem cabeça
Trate de pôr para queimar

Quero horas de profundo sono
Para compensar as noites em claro
As folhas que não vi cair no outono
E algo que você sabe que eu como
Pois se alimentar também era raro

Dê um jeito de resgatar a minha cor
Vá buscar na sua lixeira o meu sorriso
Por favor!
Terei que entender o que não se mostrou
E esse já é um enorme prejuízo

Cobro-lhe sobretudo a minha paz
E a minha disposição para a guerra
Quero força para fazer o que você faz
E em bandas onde eu não ando mais
Enterrar esse amor que aqui se encerra

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Túmulo aberto

Já privei sua naturalidade
Com os segredos mais proibidos
Sua boca não tem mais liberdade
Pois rendeu-se aos seus ouvidos
Passou a dizer tudo pela metade

Não descamba seus pensamentos
Temendo um possível vacilo
De cair no esquecimento
E, enfim, entregar o sigilo
Eu assisto o discurso atento

Suas frases não têm mais sentido
As palavras pedem cobertura
Fala em tom mais que contido
Mata os detalhes na sua clausura
Recorre sempre para o subentendido

A gagueira completa o vazio
O fingimento te deixa xadrez
A verdade agora está por um fio
Você vai me entregar mais uma vez
Meu semblante é o mais sombrio

E num ato de liberdade
Sua boca rebenta as algemas
Seu sentimento é de tranquilidade
Você se livrou desse problema
E passou para toda a cidade

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Eu quero aquela

Eu quero aquela
Que odeia o espelho
Mas é sempre bela
Prefere vermelho
E usa roupa amarela
Entra pela porta
E sai pela janela

Vive pela paz
E luta como fera
Gosta do inverno
Mas cheira primavera
Perde a elegância
Mas logo recupera

Eu quero aquela
Que sente medo
Mas não tem tramela
Que levanta cedo
Sem tirar remela
Que não tem vergonha
E se descabela

Não me conta tudo
Mas é bem sincera
Que me deixa mudo
E logo descongela
É o meu escudo
E a minha megera

Eu quero aquela
Que não tem frescura
E come berinjela
Se falo de cultura
Fica tagarela
Começa uma leitura
Na hora da novela

Nunca me apressa
Sempre me espera
Que não faz promessa
Nem se desespera
E que sempre expressa
O que ela considera

Seja negra ou seja branca
De família ou de favela
Seja atleta ou seja manca
Da Mangueira ou da Portela
Não importa onde ela esteja
Eu só quero aquela

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Vice-versa

Não quis alguém igual a mim
Quis alguém que me completasse
Do início ao fim
E fizesse assim
Como ela faz
Sendo a parte da frente
Quando eu sou a de trás

Sendo a parte de trás
Quando eu sou a da frente
Nem sempre igual
Mas nunca diferente
Daquilo que, desde o início, eu quis pra gente
Ou disso que, de trás pra frente, eu quis pra mim
E fim

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Desesperança

Que movimentos acanhados!
Mãos enroladas na camiseta
Rosto encardido e ressecado
Pediu-me uma gorjeta

Falava com a língua de fora
Em voz mole e um pouco ávida
Disse que seu pai havia ido embora
Só tinha os irmãos e a mãe grávida

O pretume dos olhos morria opaco
Sem o brilho do olhar de criança
Seus braços, finos e fracos
Como quem rendeu-se à desesperança

Procurei saber mais sobre sua vida
Se ele estudava; onde morava
Disse que sua escola era a avenida
E, sua casa, um barraco de clava

Deixei-lhe um trocado e uma dica:
"Saia da rua, procure uma escola
Se estudar esse dinheiro triplica"
Mas parece que ele não me deu bola

Até hoje, ao ver um barraco
Nada impede que o coração amoleça
Meus olhos logo ficam opacos
E o pobre garoto me volta à cabeça

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Amor de mentira

Ela mente
Bem que me foi dito
Esse olhar de desentendida
Não é por causa da bebida
Quase me precipito

Realmente
Esse amor não tinha chance
Se ela era uma vampira
Que através de uma mentira
Só quis sugar mais um romance

Os dentes
Encravou em meu pescoço
Aniquilou-me em lua cheia
Em noite de namorar na areia
E do amor fazer esboço

É deprimente
Relembrar nossos afagos
E saber que eram fingidos
Que um sentimento desvalido
Fulminou nesse estrago

Inconsequente
Não pensou no amanhã
E para não deixar o paraíso
Apelou para um desaviso:
Comeu e vomitou a maçã

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

No balanço da morena

Aquele olhar não engana
Não arrisque olhar de frente
É desafiante, de gente sacana
Do tipo que se faz suficiente
P'ra perceber a formosura pelos olhos

O cabelo tingido em petróleo
Ela joga p'ra lá e p'ra cá
Em um fingido desconforto
Que deixa cheiro de banho no ar
E muito homem de pescoço torto

Pois preferia eu estar morto!
P'ra não ter que aturar esse sorriso
Contenho-me para não fazer nada
E sua beleza vira meu prejuízo
Melhor seria se fosse uma mal-amada

Mas que nada!
A danada não se faz namorada
Para não perder a carona
Ela sabe que carrega olhares
E que quem a vê no ato se apaixona
Por isso vive a rodar pelos bares

Sente prazer em destruir os lares
Daqueles que param p'ra ela passar
Se estiverem em par, então, é pra já!
O desconforto vem a incomodar:
Joga o cabelo p'ra lá
Joga o cabelo p'ra cá

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Às vidas ávidas

Os poetas fazem achar que entendem da vida
Eu não entendo da vida
Entendo de mim
E do que é minha vida p'ra mim

Entender da vida é generalizar
É como dizeres que se gosta de mulher
Mesmo sendo todas diferentes
E tantas desencantadoras

Ninguém entende deveras da vida
Se não Deus
Se é que ele existe (ou existiu)
E não há quem possa dizer que ele vá voltar
É como dizeres que um amor é verdadeiro
Sem saber o que é amar

Sabe...
Só entende da vida quem já pereceu
Quem foi embora p'ra ver a vida de fora
E não poderás mais revelar

Entendem da vida os poetas que já morreram
Todavia, não entendiam quando escreveram
O que se escreve não é a vida
Pois vem, tão breve, de uma alma perdida
Que vê em uma só vida todas as outras

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Choro inverso

Queria eu desenredar a felicidade
Cantá-la em versos de enlevo
Enaltecê-la em verbo e adjetivo
Mas quando estou feliz, vivo
E quando me chateio, escrevo

Ah! Que bom seria
Saltitar as letras
Cantarolar em poesia
Cadenciar minha história
E oferecer-te em alegria

Mas o papel me carrega aos ombros
E ofusca a brancura do meu sorriso
A melancolia volta como um assombro
Quando encaro esse triste vazio
Onde, em escombros, já consumi o meu juízo

(No papel não cabe meu encanto
Ou a imensidão de um paraíso
Existe só para enxugar meu pranto
E dar o consolo que preciso)

Quem dera eu!
Escrever o êxtase de ser feliz
De brincar na cachoeira ou no chafariz
Correr atrás dela como um peão de bota e laço
E laçar o meu amor com um desengonçado abraço

Contar dos rios, do Sol, do vira-lata
Do moleque escondido na saia da mulata
Saudar a chuva que cai reluzente
E achar graça se ela molha a gente

Ah! Felicidade...
Esse é o bem que ela me faz
Como é bom poder sentir
Mas não perco tempo - Até mais!
Vou sorrir por aí

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

Motim

Enquanto uma mão atava um companheiro
A outra acenava para os apartamentos
O anseio era de ampliar a legião
Encorajar o ingresso ao movimento
Não por receio, nem por pavor
Mas pelo calor que abarcava o momento

Entre sirenes e estampidos
O coro chamava pela mudança
Por trás do fogo e da fumaça
Eu via, nos olhos alheios,
Um brilho triste de esperança

Sem eles eu não era ninguém
Sem mim eles não eram também
Representávamos a união
O medo então era dividido
A um por um na multidão

Ah! Filhos da pólvora...
O ódio agora está sem saída!
Emancipem essas mentes malignas!

E assim vidas eram oferecidas
Em troca de vidas mais dignas

Mas a sanguinolência era prazerosa
E a permuta acabava em barganha
Levavam vidas preciosas
Sem pressa e nem probidade
Sem piedade de nossas entranhas

Perto do meu fim, enxerguei um começo
Ao fenecer, nasceria um herói
Que queria a alegria a qualquer preço
Fazendo da voz do povo a própria voz
O que restou foi meu grito ao avesso
Pois a morte, contudo, não o destrói

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

Não sei

Sinceramente não sei
Se é desencontro
Ou desencanto
Se é para sempre
Ou por enquanto
Se eu falhei

Não sei, amor
Não sei amar
E nem perder
Se você for
Não vou esperar
Nem te esquecer

Sinto, sim, saudade
Mas em liberdade
Joguei da janela
A última chance
Desse romance
Virar uma novela

Um dia me explique
(se souber você)
O porquê da tortura
Onde mora o prazer
Já que quer eu fique
Para denovo sofrer

Você é meu defeito
Minha pontada no peito
Um desgosto à vista
Que eu gosto de despender
Contudo - e com todo o respeito
Creio, enfim, que já posso dizer
Que a maior de minhas conquistas
É nunca mais querer te querer

sexta-feira, 17 de julho de 2009

Isso o que se lê

Ei, você
Que hoje me lê
Lê mas não me vê
Lê sem nem saber
Quem eu posso ser
Se sou homem
Se sou mulher
Alguém importante
Ou um qualquer
Sou pobre branco
Ou preto chique
Japonês manco
Ou então cacique
Você vai me ler
Porque não vai ver
Meus trejeitos
Se é tique nervoso
Ou nasci com defeito
Na escuridão
Não há preconceito
Escrevo belezas
E por trás dos versos
Ganho respeito
O que chateia
E tira a paciência
É volta e meia
Falarem de aparência
É bom que não me veja
Prefiro ser palavras
Elas não têm essa mania
E até as menos elegantes
Como "cafuné"
Têm lugar na poesia
Elas prezam o conteúdo
Como assim deveria ser
Seja vesgo ou orelhudo
Pode ter algo a dizer
Eu sou isso o que se lê
Não sou olho
Nem cabelo
Sou porquê

segunda-feira, 23 de março de 2009

Amor jacente

Eu não amei você
Nem esforço quis fazer
Sabia que seria assim
Foi perfeito desse jeito
A impostura chegou ao fim

Não peça-me para voltar
Olhe em volta, é seu lar
Sem mim tudo isso é seu
Terás, enfim, o que mereceu
Não deixe a solidão lhe roubar

Saibas que encontrei outrem feliz
Mas também não sei se quis
Não amo tanto quanto amei
Não sinto mais dentro de mim
As garotas que, jovem, desejei

E jamais vou amar mais
Se em mim o amor pereceu
Enfim, trouxe-me paz
Assim ele me concedeu
A paixão exposta em museu

Pela lembrança é que posso notar:
Só mesmo criança é capaz de amar
A pureza existe em quem não viveu
Em quem a tristeza e a maldade
O coração ainda não conheceu

quarta-feira, 18 de março de 2009

Minha gente

Nas vilas simples
São simples vilões
São injustiçados
Esquecidos
Pobres pidões

Medíocres? Jamais!
Só não têm dinheiro
Mas não faz falta não
O que é uma nota de papel
Para quem nota o tempo inteiro?

Nota a ganância
Do reprimido engravatado
Nota a ignorância
Da madame que, conivente,
Não nota a miséria ao lado

Limitam-se a notar
E, amiúde, lamentar
Sentem pena daqueles dementes
Quando, na verdade,
Quem precisa de piedade
É essa humilde gente carente

Carente de condição
Carente de dinheiro
Mas não faz falta não
O que é um saldo positivo
Para quem sauda o tempo inteiro?

Sauda o pai, a mãe, o filho
O cãozinho companheiro
Sauda o Sol
Sauda a chuva
Não tem tempo desordeiro

E é assim que são felizes
Sem nota e sem saldo
Notam a diferença
Saudam a complacência
Na espera de um respaldo

domingo, 15 de março de 2009

Brincando de crítica literária

Saber o porquê dos elogios que lhe são dados para melhorar ou reforçar qualidade de sua poesia é algo que você espera dos que lêem o seu blog. Pois bem, hoje resolvi brincar de crítica literária. Espero que não me ache pretensiosa ou despeitada. Sei que não tenho talento algum para essa arte da escrita, mas resolvi me aventurar neste feito, da mesma forma que fiz ao criar um blog de poesia. Completa amadora, recorri à lembrança das aulas de literatura, nas quais nos era exigido interpretar e analisar autores renomados. Pois bem o autor renomado nesta brincadeira é você (espero sinceramente que o seja algum dia) e a obra a ser analisada será o “mente [in]fluente”. Creio que será mais interessante, pois minha análise será remetida ao próprio autor analisado, podendo este inclusive discordar completamente, ou mesmo retrucar algum engano. Pois bem, peço licença para expor a minha análise.

O blog “mente [in]fluente” traz uma coletânea das poesias de Leandro Cesaroni. Nelas os temas privilegiados são os relacionamentos sob a ótica do homem da atualidade. As questões cercam os sentidos masculinos, mas que não se limitam a apenas a esse universo conseguindo perpassar o masculino ou feminino com questões dotadamente humanas.

Como os relacionamentos estão bastante presentes, os personagens femininos são os que mais parecem intrigar ao escritor. Nos vários temas abordados em sua poesia percebemos a presença de vários tipos femininos. Podemos dividi-los em dois grupos. Os que lhe causam encanto e os que lhe desencanta, porém todos prendem sua atenção. As encantadoras são a bela, e a sedutora, a instigante, a ousada. As sem encanto, que mais lhe intrigam, são as ciumentas, vaidosas, feias, dramáticas, confusas, incompreensíveis. Podemos até afirmar que não são tipos, mas faces femininas que os homens comumente costumam notar e dar relevo. Fora a este modelo esta a figura omitida, a que é citada, mas não lhe é dotada personalidade. Será a namorada? Outra é a do poema “loucura sem cura”. Não se sabe ao certo se é devagar, louca, preguiçosa. Esta lhe parece completamente desinteressante, mas é a que mais lhe causa incômodo.

A assistir, às vezes com perplexidade, esses tipos femininos, lá esta o homem.. Este ora vilão, ora amante; ora ilusor, ora apaixonado; ora seduzido, ora sedutor; ora arrependido, ora desprendido. Enfim, dotado de virtudes e fraquezas. Humano. Estes são frequentemente retratados como boêmio, infiel, arrependido, apaixonado, malicioso, debochado e desapegado a convenções.

Outras questões estão presentes nos seus versos como a poesia, solidão, relacionamento, distinção, conivência, e os sentimentos humanos.

Seu estilo de escrita consegue combinar com bastante criatividade as rimas e a capacidade de exprimir sentimentos, tendo como resultado uma beleza e sonoridade singular.

Os sentimentos que exprime relacionam-se com as questões presentes nas relações das pessoas na atual sociedade. A busca por prazeres, acertos, superação, harmonia nos relacionamentos, compreensão ou mesmo expressão de situações que comumente nos vemos envolvidos. São de grande qualidade e exprimem o seu futuro promissor.

Talvez o que lhe falte seja uma maior proximidade das vozes literárias femininas para ampliar seus tipos. Isso porque sua visão da mulher é bastante próxima aos autores do século XIX, que limitava suas personagens a personalidades dicotômicas: serenas ou histéricas, santas ou promíscuas, mães x amantes. A leitura de autoras tais como, Cora Coralina, Cecília Meireles, Clarice Lispector, Lia Luft, Martha Medeiros, Maitena (cartunista argentina) etc., o ajudaria a ampliar a caracterização de suas figuras femininas. Mas não para tomar seu partido, pois o que lhe agregar uma qualidade distinta é a preferência pela voz masculina em seus erros e acertos.


TEXTO DE: ZEUGMA
Contato: zewgma@yahoo.com.br

quarta-feira, 11 de março de 2009

A hermética

- Por que choras?
- Quem me amava, hoje me adora
- E por que choras?
- Gostaria de ser amada, oras

Apesar de não amá-lo
Queria ela ser amada
Não sentia-se mulher
Se não fosse desejada

- Talvez ainda haja amor
- Sinto que sim, mas não para mim
- Talvez seja amor-próprio
- Talvez seja o meu fim

- Não fale assim, és tão bela
- Beleza. Ilusória miragem
- O que achas que lhe faltou ?
- Sorte. E um pouco de coragem

- Ainda há tempo para audácias
- Não passa de falácia mal dita
- Estou aqui para acalmá-la
- Estas me deixando mais aflita

- Perdão. Só queria que entendesse
- Antes, procure me interpretar
- Pensei que houvesse a entendido
- Você não seria capaz de me amar

(...)

- E se eu disser que a amo?
- Pouco vou me importar
- Pois saibas que a desprezo
E desabou a chorar

terça-feira, 3 de março de 2009

Justa solidão

Em caso de dúvida, fingia
Em casa, era alguém que não existia
Ali mentia para sua suposta paixão
Alimentava uma corriqueira ilusão

De manhã, assumia o papel de vilão
Na manha, pedia carinho e perdão
Conduzia qualquer mulher ao pecado
Com dúzias de embustes mal contados

Namorava cada dia uma nova enganada
Não morava na consciência que lhe fora dada
Enquanto isso sua mulher contabilizava
Em quantos bares diziam que ele andava

Se ele visse o quão amável ela era
Se elevasse o sentimento à atmosfera
Só correria a vida apaixonado
Socorreria seu coração dilacerado

Mas cara de amor só não adianta
Máscara de galante em fronte de anta
Concorrência, então, passou a disputar
Com ocorrência de peleja e despejo do lar

Atualmente vive sozinho, sem ninguém
A tua mente passou até a funcionar bem
Confusão, aprendeu, enfim, a evitar
Com fusão de ternura e cabeça no lugar

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Filhos de desencontros

Ele queria
Mas ela não dava trela
Viviam em desarmonia
Entre resmungos e querelas

Para ele
Ela era só um pesar a mais
Para ela
Ele era sensível demais

Ele era o amor
Ela, a dor
E daí nasceu paixão
Filha única da relação

Do pai herdou a imaturidade
Da mãe ficou com a depressão
Vivia a vaguear pela cidade
Chorando amiúde sua solidão

Já crescida, se apaixonou
Mas o ódio não correspondia
Deitou, rolou, se jogou
Para ver se assim aparecia

O ódio odiava essa exibição
Mas acabou aceitando o casamento
Tiveram o engano e a desilusão
Irmãos gêmeos até em pensamento

O engano virou padre
Pois não se casava com ninguém
A desilusão, prostituta
Por ter ficado sozinha também

Desde então o engano vive na igreja
Louvando um amor que ele nem conheceu
A desilusão à noite festeja
Como a coveira da dor que morreu

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

Só é poeta

Qualquer um não pode mostrar-se sensível
A ponto de perceber a tristeza alheia
A alma do poeta eleva-se a tal nível
Compreende o passarinho que não gorjeia

Vive de amor, sofrimento e esperança
De um dia alcançar a felicidade plena
Às vezes vê cores que só veria uma criança
Às vezes vê dores de proporções tão pequenas

Emociona-se como um pai, mesmo sem filhos
Pena como um cachorro, mesmo sendo gente
Perde sua amada sem perder o brilho
Faz dessa garoa arrasante enchente

E para sempre vai relembrar a cicatriz
Nas confissões confusas de um soneto
Das desavenças passadas remove o verniz
Resgata-se o abatimento branco e preto

Só é poeta quem padece quando outrem diz,
em mágoas declaradas, que não é feliz

Só é poeta quem pode rimar amor e dor
Isento do falso sentimento de um ator

Só é poeta quem chora
Quem ri, quem namora

Só é poeta quem sofre
Quem vive, quem morre

Ora! Mas de que serve,
Só é poeta

terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

Poema entre escombros

O esgoto em que vivo esgota minhas esperanças
O odor de ódio engana meus sonhos de criança
O cheiro de chorume chefia suaves lembranças
Eu persisto na luta, com o preto luto da mudança

A confiança confundiu-se com o entulho
As baratas embaralharam-se com o barulho
O asfalto asfixiou-se em pedregulho
E a orgia ordinária orfanou o meu orgulho

Parece que sozinho eu apareço nesse aparato
Que a consequente consciência é incabível ao ingrato
No entanto, o santo que desaprova esse desacato
Não sente a solidão como uma pedra no sapato

A falsa valsa em falsete realça o mal do lugar
A mudez alheia não emudece o meu ímpeto de mudar
Eu permaneço permeável à permissa de perdoar
Desde que eles desdenhem esse desditoso medo de desafiar

Venha comigo, meu amigo, não tema
Liberte-se dessa libertinagem em algema
Comprove sua proeminência para o problema
Compreendendo a pretenda desse poema

Amanhã ver-lhe-ei do outro lado do precipício
Onde a calmaria vai deixar-lhe enxergar
E veremos, juntos, que os benefícios juntam-se em vício
Uma eterna dívida para com o seu bem-estar

Ora, mas falar é desperdício
Não vale a pena lhe esperar

domingo, 1 de fevereiro de 2009

Minha caverna

Fecho os meus olhos e encontro o silêncio
Olho para onde o barulho não pode chegar
Envolvente é a paz desse suave relento
Que pouco a pouco parece me dominar

Na escura quietude dessa minha caverna
Encontro o meu eu, que vem me contar:
Que a vida sem amor é um anjo sem pernas
Voando no infinito, sem poder pousar

Venha, destino feliz,
E não permita que ela demore a chegar
Peça que esqueça as coisas que fiz
Trazendo consigo a coragem de amar

Se não vier, tire-a do meu caminho
Não poderia sobreviver em outro lugar
Antes de bem, vivendo sozinho
Do que sofrendo um amor vulgar

Não vou me submeter às suas vontades
Não quero ter que aqui me abandonar
Venho vivendo minha melhor realidade
E acredito que ela também possa gostar

Os olhos fechados, a minha caverna
Tanta felicidade para compartilhar
Mas continuo sozinho, um anjo sem pernas
Voando no infinito, sem poder pousar