quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Relembro setembro

Fim do clarão escuro do inverno
Gasto as últimas folhas do caderno
As das árvores vêm com a primavera
É setembro, o início de uma nova era

Era de atitudes sinceras
De novos amores, de novas esperas
Tempo de rever o que não fiz
E na minha verdade seguir diretriz

É quando entra em cena um novo ano
Releva-se a mentira, o leso engano
É quando a gente fica mais sacana
E gasta as malícias no fim-de-semana

Relembro setembro como se fosse amanhã
Como se a primavera fosse minha irmã
E, fraternal, pudesse me contentar
Trazendo o mês das flores antes desse acabar

terça-feira, 25 de novembro de 2008

Ardorosa morena

Na batida seca das mãos ressecadas
Os tambores da tribo anunciavam a visão
Era ela, morena, danada
Que entre os desnudos dançava a canção

Aiê, aiô - rebolava provocante
Mapinguari atacô - fascinava o pescador
Aiê, aiô - desaparecia saltitante
Moça bonita não pegô - e ressurgia com uma flor

Brilhando óleo de castanha
Com colar de Sucupira
Preparava uma façanha
Para contrariar uma mentira

Em movimentos instigantes
Aproximava-se do pescador
Surpreendia os Xavantes
Oferecendo o seu amor

Na batida acelerada
Aproveitou pr'a se entregar
Sabia que estava errada
Mas que do erro queria provar

Sob olhares rebaixantes
O pescador um beijo levou
Não durou nem mais um instante
A moça bonita o fogo queimou

Para tentar salvá-la já era tarde
A injustiça estava dada por feita
Porém, para não bancar o covarde
O homem rendeu-se àquela seita

Antes de saltar na fogueira
Veio à cabeça a primeira visão
O fogo da moça faceira
Era o mesmo ali então

Sem medo e sem receio
Foi tomado pelo calor
A lembrança que agora lhe veio
Foi do beijo e do seu sabor

Os estalos dos corpos queimando
Eram pros índios o desejo alcançado
Pois graças ao egoísmo sub-humano
Mais um amor havia sido incendiado

domingo, 16 de novembro de 2008

Tudo o que for preciso

Eu preciso de tudo o que for
O passado bom é o meu sorriso
Vejo, porém, angústia e dor
Um falso consolo eu improviso
Planejo malícias para me recompor
E tudo o que for preciso

Talvez acredite que não seja amor
Talvez perceba que falta juízo
Mas sigo forçando o frágil beija-flor
A voar nessa imprevisível chuva de granizo
Serei agora o seu protetor
E tudo o que for preciso

Buscarei um néctar com novo sabor
Nas cores mais vivas do paraíso
E é na busca por essa nova cor
Que minha alegria de volta eu focalizo
Esquecerei por lá o meu pavor
E tudo o que for preciso

Quero salvar esse beija-flor
Quero resgatar o meu sorriso
Na recordação tomada pelo bolor
Achar graça do prejuízo
Eu preciso de tudo o que for
E tudo o que for preciso

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

Olhar ela me olhar

Procuro palavras mas quase enlouqueço
Gestos em vão para impressionar
Desdobro-me então, virando-me ao avesso
E ela responde com um simples olhar

Já não sei quanto tempo passou
Quem dirá quanto vai passar
O relógio quebrou quando ela me olhou
E eu olhei ela me olhar

Mergulhando no verde eu não interrogo
Afundo como barco furado em alto-mar
Imerso naquele olhar eu quase me afogo
Só uma piscada pode me salvar

Bem lá no fundo encontro nós dois
E tudo o que agora eu queria lhe falar
Penso em dizer, mas deixo para depois
Agora não tenho fôlego, está acabando o meu ar

Antes do último suspiro, uma reciprocidade:
Percebo que ela também tem algo a declarar
Adio minha piscada, intimido sua vontade
No mar do amar é que a gente vai afundar

sexta-feira, 4 de julho de 2008

Um satélite de lembranças

Naquele relento me vejo passar
Idéias, poemas, um sonho, um lugar
Fantasio um simplório momento
E ofereço ao próximo que atravessar

Vem passando um senhor com pressa
A passos fortes, a me encarar
Lembro do meu pai, desperto um sentimento
Some acelerado, como quem vai me buscar

Distraio-me com a criança, do outro lado da rua
Ao lado da mãe, feliz, a cantar
Em um instante resgato, de um passado remoto
Minha afinidade materna; o afago do lar

Quem cruza agora é um bando de garotos
Trazendo barulho, de tanto falar
Identifico em cada um deles um velho amigo
Com quem, na juventude, eu pude contar

Do outro lado da rua vem a minha vida
Pára diante de mim, quer me intimidar
Mas vejo nela um refúgio de lembranças
Um satélite, em órbita, no mesmo lugar

quinta-feira, 10 de abril de 2008

Metamorfose ambulante

Disseram-me que não cairia-lhe bem aquela cirurgia plástica
No ato, desconfiei; mas a repercussão mostrou-se sarcástica
Quando vi Odete depois da mudança entendi a problemática:
- É, coitada, essa aí nem com um passe de mágica

Haviam transformado minha chefe em um extraterrestre
Macaco, arara, tartaruga, ou qualquer outro animal silvestre
E, ao vê-la, ainda achei graça de uma pergunta que não fiz:
- Que diabos haviam feito com o resto de seu nariz ?

Para ela, havia ficado um verdadeiro esplendor
Embora, para gente, parecesse protagonista de filme de terror
Os boatos defendiam, ainda, que nem com um bom maquiador
Aquela desgraça pudesse se recompor

Ao chegar até mim, autoritária, perguntou:
- O seu crachá da empresa, companheiro, onde você enfiou ?
Pego de surpresa, soltei uma resposta um tanto infeliz:
- No mesmo lugar onde enfiaram o resto do seu nariz !

terça-feira, 8 de abril de 2008

Laranja anacrônico

De rosto alaranjado
Desprovido de beleza
Maltrapilho atrapalhado
Cafona por natureza

Ao matrimônio do irmão
Garantiu sua presença
Convidado por obrigação
Já esperavam a indecência

Ao aprontar-se para a missa
Elegeu a pior das camisetas
Bermuda laranja-fluorescente
Com um par de meias violetas

Do padre levou um sermão
Ouviu dizer que não tem cabimento
Foi condenado a vestir-se com adequação
E voltar elegante para o casamento

Arriscando-se ao ridículo
Seguiu à risca esse conselho
Tirou do armário o velho terno riscado
Em vinho, marrom e vermelho

Para a noiva, motivo de vergonha
Para o noivo, razão de zombaria
Para o padre, pecado de peçonha
Para ele, comovente liturgia

quinta-feira, 3 de abril de 2008

Ciumelada

Sensação, sentimento ou epidemia ?
O ciúme é, sobretudo, uma demasia
Excesso de paixão, desarmonia
Forma contida da taquicardia

Em não confiar, ela limita
Aborda, pergunta, esperneia, grita:
- Posso saber quem era a senhorita !?
E quando deixa falar, não acredita

O ocorrido gruda feito carrapato
Dias a mais sendo taxado de ingrato
Porém, para que, enfim, seja esquecido o fato
Basta um elogio a seu sapato

E, ao flagrá-la com um estranho junto
Por interesse inocente, apenas pergunto
Mas, afobada, ela retruca, deixando-me desconjunto:
- Será que você não tem outro assunto !?

terça-feira, 1 de abril de 2008

Desmedido sorriso

Enquanto o oceano seca, ele sorri
Sorri porque um negócio deu certo
Sorri porque encontrou sua grande paixão
Sorri porque hoje vai passar seu filme predileto

Enquanto uns agonizam de fome, ele sorri
Sorri porque tem o que comer
Sorri porque não agoniza
Sorri porque é abobado

O desmedido sorriso vem em forma de ignorância
esbanja tolice, significa conivência

Quem sorri sem porquê hoje, desmedidamente chora amanhã
E atinge agora a puridade da consciência
O choro desmedido é verdadeiro
O sorriso desmedido é falsidade

Quem muito sorri impõe fraqueza
pois passa satisfação mesmo quando não há
Quem muito sorri atrai tristeza
pois quando a verdadeira alegria vem,
o mesmo sorriso ele vai desfilar

Hora pra sorrir
Hora pra chorar
Um oceano de fome para ressuscitar

O oceano seca, a fome agoniza
e o mesmo sorriso ele vai desfilar

sexta-feira, 28 de março de 2008

Ciclo de aparências

Vi isso como um vício
Inevitável, submisso
Ela traiu seu compromisso
Ao render-se àquele feitiço

Compromisso comprimível
Reduzido em baixo nível
Escrachou, mandou embora
Escorchou, jogou fora

O outro ? Uma feiúra
Só faltava a ferradura
Que ele atirou, porventura,
Rachando a cabeça da ex-mulher - Pobre criatura !

Essa ? Uma coitada
De vontades rejeitadas
Mal-vestida, mal-tratada
Arrastando-se nos pés
de quem com ela não quer nada

Esses ? Uns ignorantes
Pois desprezam pelo semblante
Mulher como aquela, deselegante
Jamais renderia-se a um amante

Aparência é o que interessa
Lealdade pouco importa
Porém, ela continua sem pressa
Oferecendo-se de porta em porta

quinta-feira, 27 de março de 2008

Loucura sem cura

Ela sempre foi sem pressa
Pr'essa preciosa não havia promessa
Quem a conheceu, confessa:
- Só de abrir a boca desinteressa

Vez por outra me deixava sem graça
Gracejando zombarias em forma de pirraça
Desgraçada ! - ainda se achava engraçada
Quando, de graça, gralhava sua gargalhada

Curiosa, ela procura
a dura cura da loucura
sem saber que crua ela dura
encubada, obscena, obscura

Em cansar de não encontrar,
a loucura vira sossego
Alcançar o bem-estar
é agora seu maior desejo

Mas seu sossego se cega
e em escala se instala
Amanhecerá preguiça
E amanhã será bengala

E se me procurar, por acaso
Não vou levá-la como um caso
Nem tratá-la com descaso
Só vou dizer, casualmente,
que com ela não me caso