quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Desesperança

Que movimentos acanhados!
Mãos enroladas na camiseta
Rosto encardido e ressecado
Pediu-me uma gorjeta

Falava com a língua de fora
Em voz mole e um pouco ávida
Disse que seu pai havia ido embora
Só tinha os irmãos e a mãe grávida

O pretume dos olhos morria opaco
Sem o brilho do olhar de criança
Seus braços, finos e fracos
Como quem rendeu-se à desesperança

Procurei saber mais sobre sua vida
Se ele estudava; onde morava
Disse que sua escola era a avenida
E, sua casa, um barraco de clava

Deixei-lhe um trocado e uma dica:
"Saia da rua, procure uma escola
Se estudar esse dinheiro triplica"
Mas parece que ele não me deu bola

Até hoje, ao ver um barraco
Nada impede que o coração amoleça
Meus olhos logo ficam opacos
E o pobre garoto me volta à cabeça

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Amor de mentira

Ela mente
Bem que me foi dito
Esse olhar de desentendida
Não é por causa da bebida
Quase me precipito

Realmente
Esse amor não tinha chance
Se ela era uma vampira
Que através de uma mentira
Só quis sugar mais um romance

Os dentes
Encravou em meu pescoço
Aniquilou-me em lua cheia
Em noite de namorar na areia
E do amor fazer esboço

É deprimente
Relembrar nossos afagos
E saber que eram fingidos
Que um sentimento desvalido
Fulminou nesse estrago

Inconsequente
Não pensou no amanhã
E para não deixar o paraíso
Apelou para um desaviso:
Comeu e vomitou a maçã

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

No balanço da morena

Aquele olhar não engana
Não arrisque olhar de frente
É desafiante, de gente sacana
Do tipo que se faz suficiente
P'ra perceber a formosura pelos olhos

O cabelo tingido em petróleo
Ela joga p'ra lá e p'ra cá
Em um fingido desconforto
Que deixa cheiro de banho no ar
E muito homem de pescoço torto

Pois preferia eu estar morto!
P'ra não ter que aturar esse sorriso
Contenho-me para não fazer nada
E sua beleza vira meu prejuízo
Melhor seria se fosse uma mal-amada

Mas que nada!
A danada não se faz namorada
Para não perder a carona
Ela sabe que carrega olhares
E que quem a vê no ato se apaixona
Por isso vive a rodar pelos bares

Sente prazer em destruir os lares
Daqueles que param p'ra ela passar
Se estiverem em par, então, é pra já!
O desconforto vem a incomodar:
Joga o cabelo p'ra lá
Joga o cabelo p'ra cá

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Às vidas ávidas

Os poetas fazem achar que entendem da vida
Eu não entendo da vida
Entendo de mim
E do que é minha vida p'ra mim

Entender da vida é generalizar
É como dizeres que se gosta de mulher
Mesmo sendo todas diferentes
E tantas desencantadoras

Ninguém entende deveras da vida
Se não Deus
Se é que ele existe (ou existiu)
E não há quem possa dizer que ele vá voltar
É como dizeres que um amor é verdadeiro
Sem saber o que é amar

Sabe...
Só entende da vida quem já pereceu
Quem foi embora p'ra ver a vida de fora
E não poderás mais revelar

Entendem da vida os poetas que já morreram
Todavia, não entendiam quando escreveram
O que se escreve não é a vida
Pois vem, tão breve, de uma alma perdida
Que vê em uma só vida todas as outras

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Choro inverso

Queria eu desenredar a felicidade
Cantá-la em versos de enlevo
Enaltecê-la em verbo e adjetivo
Mas quando estou feliz, vivo
E quando me chateio, escrevo

Ah! Que bom seria
Saltitar as letras
Cantarolar em poesia
Cadenciar minha história
E oferecer-te em alegria

Mas o papel me carrega aos ombros
E ofusca a brancura do meu sorriso
A melancolia volta como um assombro
Quando encaro esse triste vazio
Onde, em escombros, já consumi o meu juízo

(No papel não cabe meu encanto
Ou a imensidão de um paraíso
Existe só para enxugar meu pranto
E dar o consolo que preciso)

Quem dera eu!
Escrever o êxtase de ser feliz
De brincar na cachoeira ou no chafariz
Correr atrás dela como um peão de bota e laço
E laçar o meu amor com um desengonçado abraço

Contar dos rios, do Sol, do vira-lata
Do moleque escondido na saia da mulata
Saudar a chuva que cai reluzente
E achar graça se ela molha a gente

Ah! Felicidade...
Esse é o bem que ela me faz
Como é bom poder sentir
Mas não perco tempo - Até mais!
Vou sorrir por aí

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

Motim

Enquanto uma mão atava um companheiro
A outra acenava para os apartamentos
O anseio era de ampliar a legião
Encorajar o ingresso ao movimento
Não por receio, nem por pavor
Mas pelo calor que abarcava o momento

Entre sirenes e estampidos
O coro chamava pela mudança
Por trás do fogo e da fumaça
Eu via, nos olhos alheios,
Um brilho triste de esperança

Sem eles eu não era ninguém
Sem mim eles não eram também
Representávamos a união
O medo então era dividido
A um por um na multidão

Ah! Filhos da pólvora...
O ódio agora está sem saída!
Emancipem essas mentes malignas!

E assim vidas eram oferecidas
Em troca de vidas mais dignas

Mas a sanguinolência era prazerosa
E a permuta acabava em barganha
Levavam vidas preciosas
Sem pressa e nem probidade
Sem piedade de nossas entranhas

Perto do meu fim, enxerguei um começo
Ao fenecer, nasceria um herói
Que queria a alegria a qualquer preço
Fazendo da voz do povo a própria voz
O que restou foi meu grito ao avesso
Pois a morte, contudo, não o destrói

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

Não sei

Sinceramente não sei
Se é desencontro
Ou desencanto
Se é para sempre
Ou por enquanto
Se eu falhei

Não sei, amor
Não sei amar
E nem perder
Se você for
Não vou esperar
Nem te esquecer

Sinto, sim, saudade
Mas em liberdade
Joguei da janela
A última chance
Desse romance
Virar uma novela

Um dia me explique
(se souber você)
O porquê da tortura
Onde mora o prazer
Já que quer eu fique
Para denovo sofrer

Você é meu defeito
Minha pontada no peito
Um desgosto à vista
Que eu gosto de despender
Contudo - e com todo o respeito
Creio, enfim, que já posso dizer
Que a maior de minhas conquistas
É nunca mais querer te querer