quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009
Filhos de desencontros
Mas ela não dava trela
Viviam em desarmonia
Entre resmungos e querelas
Para ele
Ela era só um pesar a mais
Para ela
Ele era sensível demais
Ele era o amor
Ela, a dor
E daí nasceu paixão
Filha única da relação
Do pai herdou a imaturidade
Da mãe ficou com a depressão
Vivia a vaguear pela cidade
Chorando amiúde sua solidão
Já crescida, se apaixonou
Mas o ódio não correspondia
Deitou, rolou, se jogou
Para ver se assim aparecia
O ódio odiava essa exibição
Mas acabou aceitando o casamento
Tiveram o engano e a desilusão
Irmãos gêmeos até em pensamento
O engano virou padre
Pois não se casava com ninguém
A desilusão, prostituta
Por ter ficado sozinha também
Desde então o engano vive na igreja
Louvando um amor que ele nem conheceu
A desilusão à noite festeja
Como a coveira da dor que morreu
segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009
Só é poeta
A ponto de perceber a tristeza alheia
A alma do poeta eleva-se a tal nível
Compreende o passarinho que não gorjeia
Vive de amor, sofrimento e esperança
De um dia alcançar a felicidade plena
Às vezes vê cores que só veria uma criança
Às vezes vê dores de proporções tão pequenas
Emociona-se como um pai, mesmo sem filhos
Pena como um cachorro, mesmo sendo gente
Perde sua amada sem perder o brilho
Faz dessa garoa arrasante enchente
E para sempre vai relembrar a cicatriz
Nas confissões confusas de um soneto
Das desavenças passadas remove o verniz
Resgata-se o abatimento branco e preto
Só é poeta quem padece quando outrem diz,
em mágoas declaradas, que não é feliz
Só é poeta quem pode rimar amor e dor
Isento do falso sentimento de um ator
Só é poeta quem chora
Quem ri, quem namora
Só é poeta quem sofre
Quem vive, quem morre
Ora! Mas de que serve,
Só é poeta
terça-feira, 3 de fevereiro de 2009
Poema entre escombros
O esgoto em que vivo esgota minhas esperanças
O odor de ódio engana meus sonhos de criança
O cheiro de chorume chefia suaves lembranças
Eu persisto na luta, com o preto luto da mudança
A confiança confundiu-se com o entulho
As baratas embaralharam-se com o barulho
O asfalto asfixiou-se em pedregulho
E a orgia ordinária orfanou o meu orgulho
Parece que sozinho eu apareço nesse aparato
Que a consequente consciência é incabível ao ingrato
No entanto, o santo que desaprova esse desacato
Não sente a solidão como uma pedra no sapato
A falsa valsa em falsete realça o mal do lugar
A mudez alheia não emudece o meu ímpeto de mudar
Eu permaneço permeável à permissa de perdoar
Desde que eles desdenhem esse desditoso medo de desafiar
Venha comigo, meu amigo, não tema
Liberte-se dessa libertinagem em algema
Comprove sua proeminência para o problema
Compreendendo a pretenda desse poema
Amanhã ver-lhe-ei do outro lado do precipício
Onde a calmaria vai deixar-lhe enxergar
E veremos, juntos, que os benefícios juntam-se em vício
Uma eterna dívida para com o seu bem-estar
Ora, mas falar é desperdício
Não vale a pena lhe esperar
domingo, 1 de fevereiro de 2009
Minha caverna
Fecho os meus olhos e encontro o silêncio
Olho para onde o barulho não pode chegar
Envolvente é a paz desse suave relento
Que pouco a pouco parece me dominar
Na escura quietude dessa minha caverna
Encontro o meu eu, que vem me contar:
Que a vida sem amor é um anjo sem pernas
Voando no infinito, sem poder pousar
Venha, destino feliz,
E não permita que ela demore a chegar
Peça que esqueça as coisas que fiz
Trazendo consigo a coragem de amar
Se não vier, tire-a do meu caminho
Não poderia sobreviver em outro lugar
Antes de bem, vivendo sozinho
Do que sofrendo um amor vulgar
Não vou me submeter às suas vontades
Não quero ter que aqui me abandonar
Venho vivendo minha melhor realidade
E acredito que ela também possa gostar
Os olhos fechados, a minha caverna
Tanta felicidade para compartilhar
Mas continuo sozinho, um anjo sem pernas
Voando no infinito, sem poder pousar