sábado, 23 de outubro de 2010

Só amor

Amei
Mas amei tanto
Que esse amor me dominou
Não há mais eu
Não há amar
Só há amor

Quero chorar
Fugir em água
Mas não sinto dor
(até minha mágoa
foi confiscada
por esse amor)

Quero morrer
A morte justa
Do sofredor
Mas eu não sofro
Eu não sou justo
Sou só amor

quarta-feira, 19 de maio de 2010

Sorriso solitário

Lua minguante deitada
Sorri nessa noite calada
Como alguém que não ouve nada
E não tem por quê chorar

Não conte, bela, o seu segredo
Conserve aceso esse medo
Que faz do homem um brinquedo
Quando uma boca vira mar

Esse que não vê motivo
Para manter um sorriso vivo
Vive como um viúvo:
Esperando sua hora chegar

Mesmo lá de cima ela sabe
Que um sorriso sempre cabe
No rosto de quem abre
Uma exceção em seu penar

Sorria, Lua, sorria!
E seja uma pobre vadia
Que se alegra em noite vulgar

segunda-feira, 19 de abril de 2010

No íntimo

Saberias, verdadeiramente,
Amada minha
O tamanho do meu amor
Se nessas pobres linhas
Eu pudesse lhe expor
O medo que antes tinha
De queimar no teu calor

Entenderias, em profundo,
Meu passarinho
Se conhecesse a tal coragem
Que me jogou no teu caminho
Sem me dar nenhuma margem
De onde se escondia o ninho
Por trás de toda essa folhagem

Surpreenderia-se, enfim,
Meu bem-me-quer
Se penetrasse o meu sorriso
De um momento qualquer
E revirasse o meu juízo;
Pois você é a única mulher
Que nessa vida eu preciso

terça-feira, 13 de abril de 2010

Arroubo de amor

Um amor assim é delírio
Tem cheiro, cores e borboletas
Que ensaiam uma dança inconstante
Sobrevoam as rosas e os lírios
Para vir pousar na minha camiseta

Não importa: no campo ou na poeira
O perfume é sempre da mesma flor
É como distribuir a primavera inteira
Nos dias em que o êxtase tem vigor

Cruel seria chamar de absurdo
Ou até mesmo tirar-lhe a razão
Mesmo quando me faz entorpecido
E desperto de um sonho surdo
Chamando sussurro de trovão

Isso tudo me chega em enlevo
E vai como fim de carnaval
É quando me pego dançando frevo
Numa coreografia individual

Mas esse amor não apresenta cansaço
E não demora a pular da gaveta
De imediato eu tropeço nos passos
O vermelho tinge a vista preta
Posso deitar na grama e abrir os braços
Pois novamente virão as borboletas

terça-feira, 2 de março de 2010

Empecilho

Alguém dentro de mim
Quer sempre pôr fim
No que eu penso em fazer
Por simples prazer
De me ver assim
Entre o não e sim

Será o destino?
Ou talvez um encosto?
Que chega repentino
Com olhos de menino
E num ato clandestino
Aponta-me o oposto

Mas basta eu sucumbir
À sua direção
Para ele esculpir
Uma outra opinião
Deixar o sim partir
E engrandecer o não

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Largar de mão

Quando meus dedos eram pequenos
Minha alma dizia
Para eu fazer poesia
Duas vezes por dia

Hoje ela cobra menos
Perdeu a rispidez
E só volta no fim do mês:
- Quantos poemas você fez?

domingo, 7 de fevereiro de 2010

Suas vozes

Se agora eu fico atrevido
Sua voz no meu ouvido
Entra como gasolina
Numa alma a incendiar

Mas se o sono vai vencendo
Sua voz chega chovendo
Bate na minha janela
Faz vontade para entrar

domingo, 31 de janeiro de 2010

Caracol

Como uma proteção
Armadura
Revestida de afeto
Ou ternura
Libertei

Carrego-a no peito
Abraçada com o coração
Recife que foi feito
Obstruindo um precipício
Livre para circulação

Caminho tranquilamente
Andando sem direção
Rastejando como uma serpente
Ociosa por opção
Ligeiro como o sol poente

Corro assim sem pressa
Apreciando nossa aproximação
Restrito ao que me interessa
Onipotente pela proteção:
Legítima como uma promessa

Com você eu sou caracol
Ando tranquilo e seguro
Rasgue chuva ou faça sol
Onde é claro ou é escuro
Levo a vida caracol

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Alma viva

Não há mais como impedir
Se ela queima
E arde
Pede espaço pra sair
Teima
Faz alarde

A carícia não acalma
Ao invés:
Põe mais palha
Incendeia o desejo da alma
Que passa através
E se espalha

Agora eu sou dois
(Minha alma e eu)
Variavelmente
Não penso no depois
E se ela enlouqueceu
Que seja bom pra gente