quinta-feira, 10 de abril de 2008

Metamorfose ambulante

Disseram-me que não cairia-lhe bem aquela cirurgia plástica
No ato, desconfiei; mas a repercussão mostrou-se sarcástica
Quando vi Odete depois da mudança entendi a problemática:
- É, coitada, essa aí nem com um passe de mágica

Haviam transformado minha chefe em um extraterrestre
Macaco, arara, tartaruga, ou qualquer outro animal silvestre
E, ao vê-la, ainda achei graça de uma pergunta que não fiz:
- Que diabos haviam feito com o resto de seu nariz ?

Para ela, havia ficado um verdadeiro esplendor
Embora, para gente, parecesse protagonista de filme de terror
Os boatos defendiam, ainda, que nem com um bom maquiador
Aquela desgraça pudesse se recompor

Ao chegar até mim, autoritária, perguntou:
- O seu crachá da empresa, companheiro, onde você enfiou ?
Pego de surpresa, soltei uma resposta um tanto infeliz:
- No mesmo lugar onde enfiaram o resto do seu nariz !

terça-feira, 8 de abril de 2008

Laranja anacrônico

De rosto alaranjado
Desprovido de beleza
Maltrapilho atrapalhado
Cafona por natureza

Ao matrimônio do irmão
Garantiu sua presença
Convidado por obrigação
Já esperavam a indecência

Ao aprontar-se para a missa
Elegeu a pior das camisetas
Bermuda laranja-fluorescente
Com um par de meias violetas

Do padre levou um sermão
Ouviu dizer que não tem cabimento
Foi condenado a vestir-se com adequação
E voltar elegante para o casamento

Arriscando-se ao ridículo
Seguiu à risca esse conselho
Tirou do armário o velho terno riscado
Em vinho, marrom e vermelho

Para a noiva, motivo de vergonha
Para o noivo, razão de zombaria
Para o padre, pecado de peçonha
Para ele, comovente liturgia

quinta-feira, 3 de abril de 2008

Ciumelada

Sensação, sentimento ou epidemia ?
O ciúme é, sobretudo, uma demasia
Excesso de paixão, desarmonia
Forma contida da taquicardia

Em não confiar, ela limita
Aborda, pergunta, esperneia, grita:
- Posso saber quem era a senhorita !?
E quando deixa falar, não acredita

O ocorrido gruda feito carrapato
Dias a mais sendo taxado de ingrato
Porém, para que, enfim, seja esquecido o fato
Basta um elogio a seu sapato

E, ao flagrá-la com um estranho junto
Por interesse inocente, apenas pergunto
Mas, afobada, ela retruca, deixando-me desconjunto:
- Será que você não tem outro assunto !?

terça-feira, 1 de abril de 2008

Desmedido sorriso

Enquanto o oceano seca, ele sorri
Sorri porque um negócio deu certo
Sorri porque encontrou sua grande paixão
Sorri porque hoje vai passar seu filme predileto

Enquanto uns agonizam de fome, ele sorri
Sorri porque tem o que comer
Sorri porque não agoniza
Sorri porque é abobado

O desmedido sorriso vem em forma de ignorância
esbanja tolice, significa conivência

Quem sorri sem porquê hoje, desmedidamente chora amanhã
E atinge agora a puridade da consciência
O choro desmedido é verdadeiro
O sorriso desmedido é falsidade

Quem muito sorri impõe fraqueza
pois passa satisfação mesmo quando não há
Quem muito sorri atrai tristeza
pois quando a verdadeira alegria vem,
o mesmo sorriso ele vai desfilar

Hora pra sorrir
Hora pra chorar
Um oceano de fome para ressuscitar

O oceano seca, a fome agoniza
e o mesmo sorriso ele vai desfilar